Archive for 8 de dezembro de 2010

HOJE É DIA DE FLORBELA ESPANCA!

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Vida e Obra de Florbela Espanca

Introdução

“A poesia de Florbela caracteriza-se pela recorrência dos temas do sofrimento, da solidão, do desencanto, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade e plenitude que só poderão ser alcançados no absoluto, no infinito. A veemência passional da sua linguagem, marcadamente pessoal, centrada nas suas próprias frustrações e anseios, é de um sensualismo muitas vezes erótico. Simultaneamente, a paisagem da charneca alentejana está presente em muitas das suas imagens e poemas, transbordando a convulsão interior da poetisa para a natureza.
Florbela Espanca não se ligou claramente a qualquer movimento literário. Está mais perto do neo-romantismo e de certos poetas de fim-de-século, portugueses e estrangeiros, que da revolução dos modernistas, a que foi alheia. Pelo caráter confessional, sentimental, da sua poesia, segue a linha de António Nobre, fato reconhecido pela poetisa. Por outro lado, a técnica do soneto, que a celebrizou, é, sobretudo, influência de Antero de Quental e, mais longinquamente, de Camões.”
“Poetisa de excessos, cultivou exacerbadamente a paixão, com voz marcadamente feminina (em que alguns críticos encontram dom-juanismo no feminino). A sua poesia, mesmo pecando por vezes por algum convencionalismo, tem suscitado interesse contínuo de leitores e investigadores. É tida como a grande figura feminina das primeiras décadas da literatura portuguesa do século XX.”

Cronologia

1894: A 8 de Dezembro, nasce Florbela Espanca em Vila Viçosa.
1915: Casa com Alberto Moutinho.
1919: Entra na Faculdade de Direito, em Lisboa.
1919: Primeira obra, Livro de Mágoas.
1923: Publica o Livro de Soror Saudade.
1927: A 6 de Junho, morre Apeles, irmão da escritora, causando-lhe desgosto profundo.
1930: Em Matosinhos, Florbela põe fim à vida.
1931: Edição de Charneca em Flor, Reliquiae e Juvenilia e ainda das coletâneas de contos Dominó Negro e Máscara do Destino. Reedições dos dois primeiros livros editados. Verdadeiro começo da sua visibilidade generalizada.

Florbela, vida

Vila Viçosa, final do ano de 1894, noite de sete para oito de Dezembro.
Antônia da Conceição Lobo sente as dores do parto. Nasce uma menina. Não vem ao encontro das alegrias da família. Não parece ter sido desejada por qualquer das partes. É batizada como filha de pai incógnito. Avôs e avós também incógnitos. É-lhe posto o nome de Flor Bela de Alma da Conceição. Na literatura portuguesa será chamada Florbela Espanca. Apelido que receberá do pai, João Maria Espanca, já então levantado o véu encobridor. Curiosamente, o padre que a batiza e a madrinha usam o mesmo apelido.
A mãe morre algum tempo depois.
Tem infância sem falta de carinhos. O pai não a deixará desprovida de amparo. Ela própria assim o diz quando aos dez anos, em poema de parabéns de aniversário ao “querido papá da sua alma” escreve que a “mamã” cuida dela e do mano “mas se tu morreres/ somos três desgraçados”.
Será acarinhada pelas duas madrastas.
Ingressa no liceu de Évora. Num tempo em que poucas raparigas frequentam estudos, e bonita como é, apesar de umas tantas vezes afirmar o contrário, põe à roda a cabeça dos colegas.
Não são aqueles os primeiros versos. Antes já os escrevera com erros de ortografia. Naturalmente infantis, mas avançados em relação à idade. De algum modo, prenunciam o que virá depois.
Esta precocidade contrasta com um quê de desajustamento futuro, quando a sua escrita divergirá dos conceitos de poesia dos grupos do Orfeu, Presença e outras tendências do designado “Modernismo”, e que emergem como as grandes referências literárias da época. Das quais Florbela parecerá arredada.
Explicadora, trabalhará ensinando francês, inglês e outras matérias. Mais tarde, com vinte e dois anos, irá cursar Direito na Universidade de Lisboa.
Publica vários poemas em jornais e revistas não propriamente dedicados à poesia, como seja Noticias de Évora e O Século ou de circulação local.
Edita os seus primeiros livros, onde incluirá grande parte da produção anterior.
Refere o seu Alentejo e os locais ligados às suas origens, e exalta a Pátria em alguns poemas. Mas a sua escrita situar-se-á, sobretudo no campo da paixão humana.
Contrai matrimônio por três vezes. Do primeiro marido, Alberto Moutinho, usa o apelido em alguns escritos, nomeadamente correspondência. Do terceiro marido, Mário Lage, juntará o apelido à assinatura usual, nas traduções que efetuará. Do segundo, António Guimarães, não parece haver reminiscências explicitas nos escritos de Florbela, que lhe terá dedicado obra que publica como Livro de Sóror Saudade,  titulo diferente do projetado e esquecendo a dedicatória.
Morre aos 36 anos, «de uma doença que ninguém entendeu», mas que veio designada na certidão de óbito como nefrose.

As faces duma personalidade

Como dizem vários estudiosos da sua pessoa e obra, Florbela surge desligada de preocupações de conteúdo humanista ou social. Inserida no seu mundo pequeno burguês. Não manifesta interesse pela política ou pelos problemas sociais. Diz-se conservadora.
No caso da poetisa tem a particularidade de ser ela própria a evidenciá-lo, permanentemente e sem constrangimentos. Parafraseando António José Saraiva e Oscar Lopes na História da Literatura Portuguesa: estimula e antecede o “movimento de emancipação literária da mulher” que romperá “a frustração não só feminina como masculinas, das nossas opressivas tradições patriarcais…”
Na sua escrita é notável, como dizem os mesmos mestres, “a intensidade de um transcendido erotismo feminino”. Tabu até então, e ainda para além do seu tempo, em dizeres e escreveres femininos.
O seu egocentrismo, que não retira beleza à sua poesia, é por demais evidente para não ser referenciado praticamente por todos.
Escritos de âmbito para além dos que caracterizam essa paixão não são abundantes, particularmente na obra poética. Salvo no que se refere ao seu Alentejo.
Não se coloca como observadora distante, mesmo quando tal parece, exterior a fatos, ideias, acontecimentos.
Curiosa é a posição da poetisa quanto ao casamento. Mal grado dizer que a única desculpa que se atribui é ter casado por amor, várias vezes se afirma inteiramente contra, apesar de ter contraído matrimônio por três vezes…
Entre os poetas seus preferidos destacam-se António Nobre, Augusto Gil, Guerra Junqueiro, José Duro e outros de correntes próximas. Interessa-se também por Antero.
Pela não publicação das suas obras, ora se mostra descontente por não encontrar editor para os livros que, após os dois primeiros, deseja dar a público, ora pretende mostrar-se desinteressada, mesmo desdenhosa pelo fato. Embora o desgosto seja saliente.
Passados perto de setenta anos sobre a sua morte são falados comportamentos menos ortodoxos em relação à moral sexual do seu tempo. Algumas expressões de emocionalidade um tanto excessiva para a época, embora não exclusivas da escritora, ajudam a suspeita.
Lembramos a sua correspondência e as referências ao irmão, Apeles. Os seus excessos verbais parecem não passarem disso mesmo – imoderação para exprimir uma paixão. Aqui, exaltação fora do comum de um amor fraternal, mas que não destoa do falar dos seus sentimentos.
Semelhante escrever na correspondência com uma amiga. Afinal nunca esteve junto dessa mesma amiga e apenas a viu em retrato.
Esses limites alargados na expressão do amor, da amizade e das afeições, são uma constante.
Florbela, poetisa, não pode ser separada da sua condição de mulher, das suas paixões, da sua maneira de ser, da sua vida, das suas contradições, humildade e orgulho, preconceitos, sua presença e ausência, seus amores e desamores.

A sua única preocupação é ela própria, o amor, a paixão… O querer e o não querer. A par duma vida pouco comum para os cânones vigentes – dois divórcios e três casamentos em cerca de quinze anos – essa relação mulher-paixão e a exaltação ao exprimir-se sobre si própria, podem ter contribuído para os conceitos aludidos.

Repare-se neste começo de um dos seus mais conhecidos sonetos:

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui… Além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Florbela, escrita e culto

O seu culto começa nela própria.
Leia-se o poema, cantado por conhecido grupo musical e um dos mais belos:

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e Alem Dor!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
É condensar o mundo num só grito!

E quantas e, quantas vezes, Florbela nos recorda que é poeta! E com que euforia:

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Poucos poetas o farão tão repetidamente…

De modo algum pomos de lado a beleza do que escreve da maneira como se exprime, e do que ocupa a sua escrita.
Sem excluir a qualidade literária, não serão, porém inteiramente estranhos ao multiplicar da sua leitura, aspectos que de certo modo lhe serão alheios. Entre outros, o auto-retrato da sua vida que desenha um tanto distante do ordenamento e preconceitos sociais da sua época, as variadas contradições, ou aparência de contradições a tragédia da sua morte, o seu empenhamento na publicação, esforçado e continuado, os locais onde vive propensos à glorificação dos naturais ou próximos, o seu proto-feminismo diferenciado do que se lhe seguirá uns anos mais tarde, mas capaz de chamar a atenção.

Conceitos de amor

Mas Florbela lembra claramente que o que a preocupa é o Amor, e os ingredientes que romanticamente lhe são inerentes: a solidão, a tristeza, a saudade, a sedução, a evocação da morte, entre outros… E o desejo. Mesmo quando trata outros temas.
O grande paradoxo. O amor, como muitas vezes se lhe refere, sugere um sentir onde o erotismo é componente permanente. Exaltado em vários escritos, noutros pretende ser limpo do que na época se consideram impurezas.
Após os vários casamentos, diz desejar morrer virginalmente.
Tudo produto duma moral que interditava a mulher exprimir o seu prazer sexual. As sugestões mais ousadas sobre sexo eram tidas como degradação ou, complacentemente, como provocação.

A Prosa

A prosa de Florbela exprime-se através do conto e de um diário que antecede a sua morte e em cartas várias, de natureza familiar umas, outras tratando de questões relacionadas com a sua produção literária, quer num sentido interrogativo quanto à sua qualidade, quer quanto a aspectos mais práticos, como a sua publicação. Nas diferentes manifestações epistolares sobressaem qualidades que nem sempre estão presentes na restante produção em prosa – naturalidade e simplicidade.
Ao longo dos contos encontram-se frases de grande beleza e força. As expressões de desejo, carregadas de erotismo, de algum modo, exprimem as suas contradições na transição para a libertação da mulher. Não podemos, porém deixar de considerá-los por vezes carecendo de certa densidade. Um excessivo uso de palavras e imagens, que pouco ou nada acrescentam ao que pretende sugerir, contribui para uma menos conseguida análise profunda dos sentimentos e paixões. Quase permanente é a qualificação das mulheres em puras e impuras, em excelentes e megeras.

O fim

No último ano de vida elabora um Diário, onde deixará anotações até escassos dias antes do trágico fim. Prefácio a esse fim.
Logo no início explica não ter qualquer objetivo ao escrevê-lo.
Define-se “honesta sem preconceitos, amorosa sem luxúria, casta sem formalidades, reta sem princípios, e sempre viva”, o que encaminha para algumas das questões que se põem..
Depois de recordar os nomes de companheiros e mostrar uma vez mais o amor pelo irmão, Apeles, aviador, cujo desaparecimento em desastre do seu avião a faz sentir mais só. Diz não compreender o medo que a morte causa à jovem autora de um Diário de que reproduz algumas frases.
À medida que caminha para o final as anotações são cada vez mais raras e curtas.
Afirma que as cartas de amor que escreveu resultavam apenas da sua necessidade de fazer frases. E em oposição frontal com o dito, páginas atrás escreve “se os outros não me conhecem, eu conheço-me”.
A morte anunciada ao longo da sua escrita ocorrerá pouco depois. Põe fim à vida em 8 de Dezembro de 1930, dia em que faz trinta e seis anos, em Matosinhos, onde vive. Aí é enterrada sendo mais tarde trasladada para a sua terra natal.
Florbela morre, não talvez a maior poetisa do seu tempo, mas uma das que mais agudamente e sem temor exprimiu as grandes contradições da sensibilidade feminina nas suas paixões. Ao mesmo tempo, com certa ingenuidade, impregnada das verdades simples ou complexas do que é a mulher, na convergência da cultura e do ser.

Mas ouso concluir que Florbela vive! Eternamente entre nós!

Viva Florbela!